Técnicas de prospecção indicam revestimentos originais do antigo biotério
24/01/2024
Por Vivian Mannheimer
Como transformar uma edificação centenária, que abrigava animais de pequeno porte para pesquisas científicas, em um espaço de exposições e convívio, preservando suas características originais e com um mínimo de intervenção no conjunto? Essa foi a empreitada assumida pelo Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da Fiocruz para a requalificação do antigo biotério da instituição, que passa agora pela segunda fase da obra, a de restauração das estruturas originais.
O conjunto é formado por oito módulos circulares, divididos em gaiolas que abrigavam cobaias como aves, ratos e coelhos, agrupados em dois pátios ao redor de uma Torre Central, onde eram criados pombos correios que faziam a comunicação dos pesquisadores do então Instituto Oswaldo Cruz com a Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), no centro da cidade do Rio de Janeiro. A obra começou em janeiro de 2023 e sua execução está a cargo da construtora Biapó. A primeira parte foi finalizada e incluiu a estabilização dos solos, consolidação das fundações e um trabalho de drenagem no terreno para garantir a estabilidade estrutural. Na primeira fase também foi feito um acompanhamento arqueológico para registro e identificação de vestígios que pudessem ser encontrados pelas escavações, o que é necessário para esse tipo de trabalho.
Conheça algumas das técnicas de restauração utilizadas na construção do Pombal
Para investigar as camadas de tinta e revestimentos, foram utilizadas técnicas de prospecção. Como explicou Cristina Coelho, arquiteta do DPH da Fiocruz e fiscal da obra de restauração do Pombal, prospecção é todo tipo de investigação feita diretamente no edifício para identificar os materiais que estão ocultos, como camadas de pinturas e de revestimentos anteriores.
Cristina contou ainda que no Pombal foi realizada a prospecção pictórica, a investigação das camadas de tinta existentes. O processo é feito com o uso de bisturi para retirada cuidadosa das camadas de tinta, deixando uma amostra de cada uma delas aparente. Dessa forma é possível identificar quantas camadas de tinta existem, suas cores e tipos.
No Pombal, as prospecções identificaram que o cimento queimado era o revestimento mais antigo e indicaram a ocorrência de intervenções a partir das mudanças de tonalidade nos revestimentos posteriores. Na torre também foram feitas prospecções na alvenaria, revelando seu revestimento externo original, com aspecto de chapisco, em argamassa ocre, que foi posteriormente pintado de amarelo. A restauração desse revestimento inclui a remoção das camadas de pintura e restauração da torre com argamassa mais próxima do original em coloração e textura.
A cobertura dos módulos, onde ficam as gaiolas, na cor cerâmica recebeu na década de 1990 nova camada de argamassa de revestimento sobre a camada original. A restauração prevê a remoção dessas camadas mais recentes que se encontram em desprendimento, impermeabilização e execução de novo revestimento em argamassa pigmentada conforme a cobertura original.
Foi escolhido um módulo-testemunho, que será totalmente restaurado, com todos os elementos da composição original, como portinholas das gaiolas em madeira e tela metálica, bem como os tablados elevados, que, na época, facilitavam a limpeza dessas gaiolas. Esses elementos estão sendo desenvolvidos conforme registro dos originais.
Os elementos de rocaille, que em sua grande maioria eram feitos para imitar as texturas de elementos da natureza, estão, principalmente, na torre. São elementos executados com peças em cimento, estruturados em ferro, que imitam troncos de árvores. As partes que se encontram com a estrutura de ferro oxidada receberão tratamento antioxidante e as lacunas de argamassa serão recompostas a partir dos elementos preexistentes.
Cristina Coelho, do DPH, destacou ainda a importância e os desafios desse tipo de trabalho: “A importância de um trabalho de restauro embasado cientificamente é enorme na medida em que ele permite a preservação adequada dos bens culturais e, por consequência, a possibilidade de fruição e transmissão desses bens para as gerações atuais e futuras, que podem se reconhecer enquanto povo, enquanto seres identificados culturalmente”, disse.
Entre os desafios encontrados para a restauração, a arquiteta relata as dificuldades em identificar as características de cada época, eleger o que será preservado, encontrar materiais novos compatíveis com os antigos e achar mão de obra qualificada com capacidade para executar técnicas muitas vezes tradicionais e desconhecidas dos profissionais atuais.
Expansão do circuito de visitação do Museu da Vida Fiocruz
O projeto integra o Plano de Requalificação do Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos, que busca restaurar as edificações históricas erguidas no começo do século 20 que deram origem à instituição. O plano prevê intervenções e novos usos para essas edificações, criando um “campus parque” com atividades culturais voltadas para a população e ampliando o circuito de visitação do Museu da Vida Fiocruz.
Após a conclusão das obras, o Pombal vai virar uma área de visitação, com uma exposição sobre saúde, meio ambiente e sustentabilidade. O local servirá ainda como ponto de apoio às trilhas do campus Manguinhos e também contará com mesas e bancos ao ar livre.
A questão da acessibilidade foi um elemento importante e gerou a grande intervenção no conjunto, com a construção de uma rampa que não existia no projeto original e dará acesso a todos os módulos e à própria torre. Além disso, serão instalados uma nova iluminação e um projeto paisagístico, com a substituição de áreas pavimentadas por gramados e plantio de novas árvores.
Assim como todo o processo de requalificação do Núcleo Arquitetônico da Fiocruz, a restauração do Pombal está vinculada a um Programa de Educação Patrimonial com ações integradas às atividades de preservação desenvolvidas no âmbito da obra. Entre as ações concluídas e em andamento constam a realização de cursos de qualificação profissional e palestras técnicas, visitas guiadas ao canteiro de obras e um plano de comunicação para informar a comunidade Fiocruz e a sociedade em geral sobre as etapas da intervenção.
A restauração do Pombal, a nova exposição e o Programa de Educação Patrimonial são uma realização da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), do Ministério da Cultura e do Governo Federal, com gestão cultural da Sociedade de Promoção da Casa de Oswaldo Cruz (SPCOC). Conta ainda com o apoio financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e patrocínio de Instituto Vale, BASF, Enauta e Bayer, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura